gias é necessário saber estabelecer a relação entre os objectivos e os recursos e fazer uma abordagem que favoreça uma gestão eficaz destes recursos”.
Simultaneamente, chamou a atenção que “sendo o pessoal o recurso numérica e tecnicamente mais importante da infraestrutura da saúde merece bem uma atenção prioritária dedicada à melhoria da sua gestão, nomeadamente no que diz respeito à melhoria da sua gestão e da sua produtividade“.
Este comité voltou a divulgar um novo relatório em 1989, onde suscitou, entre outras, as seguintes questões fundamentais:
- A gestão dos recursos humanos faz parte integrante da gestão mais geral dos serviços de saúde.
- A análise global permite concluir que alguns dos grandes problemas se encontram por toda a parte, nomeadamente a má distribuição dos profissionais, com défices ou excedentes numa ou em várias categorias, uma má utilização ou uma fraca produtividade dos profissionais, perfis de carreira ou sistemas de promoção pouco satisfatórios e más condições de vida e de trabalho.
- Os problemas mais urgentes foram agrupados em categorias como o desperdício dos recursos humanos, a má utilização dos profissionais, a ausência de motivação, a debilidade da produtividade e a dicotomia entre os sectores público e privado.
- Os profissionais devem obter satisfação com o seu trabalho e estarem inseridos na concretização dos objectivos de saúde.
- Para que a gestão se torne eficaz, é necessário que os administradores tenham, eles mesmo, compreendido os objectivos da organização e que estejam dispostos a realizá-los.
- Os profissionais de saúde não são simples factores de produção. São seres vivos que sentem, que pensam e que querem obter satisfação e recompensa pelo seu trabalho.
- A motivação é a medida na qual um profissional se empenha nos objectivos da organização está disposto a consagrar o seu tempo e a sua energia à respectiva concretização.
- As relações entre os profissionais e a administração são consideradas de importância fundamental.
- É de excepcional importância que se verifique um bom estado de espírito dos profissionais.
- Apesar de toda a relação comportar sempre, pelo menos, duas partes, é aos administradores que cabe a responsabilidade essencial pela qualidade das relações, dado que o ambiente de trabalho é, em grande parte, determinada pelas suas atitudes e comportamentos.
- Os bons dirigentes são sempre visíveis, têm contactos com os profissionais, seus subordinados, e uma vez fixados os objectivos, claros e realistas, eles concentram-se nas medidas que permitirão atingi-los.
- Os administradores devem fazer todos os esforços para melhorar as condições de trabalho, estabelecendo um equilíbrio entre as necessidades da organização e as dos seus profissionais, de modo a evitar que estes abandonem o sector público e se desloquem para o sector privado, o que constitui uma “fuga de cérebros “interna.
- O clima de uma organização degrada-se quando não se permite que os profissionais participem nas decisões que os afectam e, assim, sentem-se inclinados a considerar com suspeição as medidas da administração, mesmo que possam ser as melhores.
Mas recentemente, em Abril de 2016, a OMS publicou um novo relatório designado “
Recursos Humanos para a Saúde: estratégia mundial para o horizonte de 2030”, onde importa citar as seguintes afirmações:
- Os sistemas de saúde não podem funcionar sem os profissionais de saúde.
- A melhoria da cobertura assegurada pelos serviços de saúde e a concretização do direito de fruição do nível de saúde o mais elevado possível depende da presença, da acessibilidade, da aceitabilidade e da qualidade dos profissionais de saúde.
- Os profissionais de saúde serão essenciais para atingir os objectivos de saúde e mais largamente os objectivos de desenvolvimento das próximas décadas.
- Promover em todos os locais condições de trabalho “decentes”.
A noção de trabalho decente inclui o acesso a um trabalho produtivo e convenientemente remunerado, a segurança sobre o local de trabalho, melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal, a liberdade de exprimir as suas reivindicações, de se organizar e de participar nas decisões que afectam a sua existência.
-Devem ser estabelecidas oportunidades de carreira onde intervem o mérito, de maneira a assegurar a fidelização destes trabalhadores e a motivação necessária à prestação de cuidados de qualidade e à instauração de relações positivas com os doentes.
- Assegurar a utilização eficaz dos recursos disponíveis, tendo em conta que à escala mundial 20 a 40% do conjunto das despesas de saúde correspondem a desperdícios decorrentes, em grande medida, de ineficácias da gestão dos recursos humanos.
- Favorecer, o mais possível, a motivação dos profissionais, a satisfação, a fidelização, a sua distribuição equitativa e o desempenho.
- Medidas para a segurança do emprego, uma carga de trabalho aceitável, aperfeiçoamento profissional ao longo da vida, “prémios “ de penosidade, instalações e instrumentos de trabalho adequados, vias de progressão de carreira mais rápidas, e atenção constante a nível da saúde e segurança do trabalho.
- A intervenção do sector público é necessária para mudar a situação face à oferta insuficiente de profissionais de saúde, à implantação desigual destes profissionais, à sua falta de motivação e às suas lacunas em termos de desempenho.
- Os níveis de financiamento concedidos devem estar à altura do valor que representam para a economia de um país uns recursos humanos da saúde eficazes e favorecendo o potencial que representam para os outros sectores a melhoria e a produtividade dos trabalhadores.
- Aumentar os investimentos específicos a estimular uma procura e uma oferta de de profissionais de saúde baseadas nas forças de mercado e fazê-las coincidir mais estreitamente com as necessidades assistenciais da população.
Isto implica estratégias e medidas de atracção de profissionais de saúde para as zonas mais carenciadas.
Tendo em conta estas referências, importa desde já sublinhar que os problemas que estão a afectar os nossos recursos humanos da saúde são coincidentes com os de vários países europeus, com particular destaque para a França.
No nosso país, o actual contexto caracteriza-se por:
- Aumento do número de unidades privadas da saúde com o consequente aumento da capacidade de emprego destas unidades.
- Fluxo migratório de médicos e de outros profissionais para vários países, beneficiando do prestígio e da qualidade da escola médica portuguesa pré e pós –graduada.
- Propostas salariais mais atrativas em diversas unidades privadas que têm conduzido a uma intencional desnatação dos serviços públicos de saúde.
- Aumento contínuo do recurso a empresas de “ cedência de mão-de-obra médica” com grande percentagem de efectivos indiferenciados, com efeitos nefastos nos pedidos de exames complementares de diagnóstico e na acumulação de doentes nas urgências sem articulação com os critérios clínicos relativos a internamentos, além de não estarem inseridos na hierarquia técnico-científica das equipas de urgência.
- Grande percentagem de médicos a efectuarem um elevado número de horas de urgência noutros hospitais através dessas empresas, onde ganham um valor/hora muito superior ao que é pago nos hospitais onde estão inseridos na carreira médica.
- Desintegração da hierarquia técnico-científica com graves prejuízos funcionais para as unidades hospitalares e para a qualidade assistencial.
- Degradação das condições de trabalho.
- Grande sobrecarga de trabalho, principalmente no serviço de urgência, onde os médicos tem de prestar 18 horas/semana em trabalho normal e, em média, mais 12horas por semana de trabalho suplementar.
- Grande desmotivação determinada pelas condições de trabalho, pelas grandes disparidades de pagamento relativamente às empresas, pela ausência de reconhecimento institucional do empenhamento profissional e a existência de carreiras profissionais pouco atrativas.
- Elevado número de reformas antecipadas nos últimos 10 anos nos sectores médicos mais diferenciados, com graves repercussões na qualidade e eficácia da formação médica contínua, com evidentes limitações no enquadramento técnico-científico das equipas e dos serviços de saúde.
- Ausência de incentivos e de condições de atratibilidade, visando facilitar a fixação de médicos, essencialmente na região de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.
- Estrutura organizativa e hierárquica dos serviços públicos de saúde muito verticalizada e sem níveis intermédios de gestão, principalmente nos hospitais.
- Importante número das administrações das unidades de saúde com um estilo gestionário marcadamente autocrático e de recusa a qualquer fórmula participativa dos profissionais.
Assim, torna-se urgente:
1 – O cumprimento rigoroso dos prazos legais dos concursos de progressão e provimento nas carreiras e a monitorização pública da sua conclusão.
2 - Restabelecimento do regime de dedicação exclusiva, por opção e com a respectiva majoração salarial, inserida no desenvolvimento de Unidades de Gestão Intermédia com autonomia funcional e técnica, associada a um regime retributivo misto.
3 – Estabelecer uma tabela de pagamento do trabalho efectuado no Serviço de Urgência, de modo a impedir os pagamentos exorbitantes a empresas prestadoras.
4 – Promoção activa da hierarquia técnico-científica da Carreira Médica, com concursos anuais e cumprimento dos seus prazos.
5- Definição de uma percentagem de pagamento pelo exercício do cargo de director de serviço e chefe de equipa de urgência.
6 – Á semelhança do modelo USF, criação a nível hospitalar, de níveis intermédios de gestão, como por exemplo os CRIs hospitalares, com esta ou outra designação.
7 - Participação efectiva dos profissionais de saúde na elaboração dos objectivos e na planificação das actividades dos serviços de saúde, passando a avaliação individual (vulgo SIAPAP) para avaliação coletiva do serviço/departamento.
8 – Fixação de médicos, onde são necessários (exemplo, médicos de família, em Lisboa, Seixal, Almada. Sintra, Setúbal, Alentejo e Algarve) através de:
-Suplemento remuneratório adicional (como aconteceu com os médicos de família no DL nº 310/82);
-Pagamento das acções de formação definidas como úteis para o desenvolvimento assistencial do serviço;
-Verba facilitadora de obtenção de alojamento, o que pode implicar protocolos com câmaras municipais; estabilidade laboral; progressão mais rápida na carreira; benefícios salariais e subsídio de penosidade. (OMS, 2030).
9 – Acordo de prolongamento do vínculo contratual após a obtenção do grau de especialista, a estabelecer no final do Ano Comum e tendo como contrapartida a inserção no mapa de vagas do Internato Médico.
10 – Desenvolvimento de uma política sustentada de contratualização, com orçamentos- programa e contratos-programa, a nível de cada unidade de saúde e dos seus respectivos serviços.
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*Médico (Anterior Presidente da FNAM)
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Recursos Humanos para a Saúde